domingo, 31 de janeiro de 2021

1958 Bellini levanta a Taça

            “A Taça do Mundo é nossa”

                                                                                             Marchinha de 1958


1958                    Bellini levanta a Taça

O campeonato carioca de 1958 estava marcado para começar depois da Copa do Mundo na Suécia. Por isso a maior preocupação dos torcedores vascaínos no primeiro semestre era acompanhar a convocação da seleção. A alegria em São Januário foi imensa com a convocação de três jogadores no dia 31 de março: Bellini, Orlando e Vavá.
Nesta época as atenções ainda estavam voltadas para as rádios que transmitiam as partidas para o Brasil (a TV brasileira ainda mostrava as partidas da Europa). Com a torcida se reunindo em locais públicos, vibrando e se emocionando com a seleção. O torcedor número um do Brasil foi o Presidente da Republica JK, que fazia questão de torcer junto de convidados, ao lado de um imenso rádio. Neste mundial, o futebol finalmente consegue dar ao povo brasileiro a maior alegria com uma conquista internacional de forma incontestável. Todo o país vibrava com a narração dos locutores de rádio, o poeta vascaíno Ferreira Gullar, se espantava com sua atitude tão apaixonada: “sem saber como nem porque, vi-me de repente de ouvido grudado ao rádio, submetido a uma tortura diabólica “. E narra porque estranhava sua atitude “confesso que há muitos anos o futebol deixara de me interessar. A derrota de 1950 no Maracanã (...) tornou-me um descrente do nosso futebol. Em 1954, ouvi por acaso alguns jogos, e a Hungria confirmou meu pessimismo (...) é por isso que não consigo acreditar que somos mesmo campeões do mundo”. Constatado o resultado, o poeta se incorpora aos vencedores e adere a folia em ”um domingo de felicidade nacional e a euforia com que todos acordaram esta semana para recomeçar a vida. A cidade hoje vai parar para abraçar os seus heróis.”
Em plena Copa do Mundo a TOV organiza um baile no Clube Municipal com orquestra de Raul de Barros, reunindo astros do rádio e da televisão, refletindo como a competição fazia todos quererem se encontrar para comentar os jogos e garantir a confraternização por todo o mês.
            Se aqui no Brasil a torcida comemorou como nunca, fazendo verdadeiros carnavais após as partidas, nos estádios suecos, a torcida brasileira, foi comandada por Cristiano Lacorte, torcedor do Botafogo, paraplégico, que tornou-se uma figura tão popular que no mesmo ano acabou se elegendo vereador pela  cidade do Rio de Janeiro.
Na volta para o Brasil, os jogadores tiveram direito de passeio no carro do Corpo de Bombeiros após desembarque da delegação no Brasil. Com as ruas cheias, os jogadores comemoravam com os populares até o Palácio do Catete onde seriam recebidos pelo presidente JK. Era a recuperação do sentimento de auto-estima do brasileiro.
Foi o reconhecimento internacional e a conquista do campeonato de 1958 que ajudaram a fazer dos jogadores, ídolos nacionais de primeira grandeza. Este é um dado importante no processo de popularização do futebol. A partir daí, o Maracanã ficaria pequeno para receber os campeões do mundo. Como todos os jogadores atuavam no Brasil, as competições regionais eram a grande atração do segundo semestre daquele ano, com partidas que lotavam o “maior do mundo”.
Duas semanas depois da conquista na Suécia começava o campeonato carioca com transmissão direta da TV, pela primeira vez, apesar da oposição dos dirigentes. Seria uma competição de encher os olhos, pois Vasco, Botafogo e Flamengo forneceram vários jogadores para a seleção e agora o público carioca teria seus ídolos de volta como os melhores do mundo. Não é pó acaso que o campeonato de 1958 é apontado como um dos melhores de todos os tempos. Terminando com a disputa dos três times em equilíbrio de forças na final duas etapas decisivas, chamada de Super-super[1]. Era a primeira no Maracanã, que Vasco e Flamengo, detentores das maiores torcidas disputavam uma final.
A torcida vascaína ainda vivia uma indefinição (pelo menos para a imprensa) de qual o seu líder e onde ficariam os sócios: “a Torcida Social do Vasco, um novo grupo que surge em São Januário, nos moldes das grandes Torcidas norte-americanas, destinado a incentivar o quadro de futebol ao longo do certame da Cidade (...) constituída exclusivamente de associados do Clube e que se singularizará por um detalhe, o grupo ficará sempre na parte Social sendo que no Maracanã ficará localizada atrás do gol, nas cadeiras cativas, local destinado aos associados dos Clubes que mandam o jogo no maior Estádio do Mundo. Os torcedores usarão um boné, mas não levaria charanga, devendo conduzir no painel com dizeres alusivos, estréia amanhã a noite, em São Januário, sendo aguardada com vivo interesse, já que representaria incentivo a mais ao esquadrão cruzmaltino, que tão bem iniciou o campeonato de 1958” [2].
No primeiro Vasco e Flamengo a imprensa promoveu a tradicional disputa entre as duas torcidas. Cada clube apresentava os seus líderes. No Vasco junto com o conhecido Ramalho, aparece uma “nova liderança” de cartola. Um símbolo da torcida do Fluminense. O torcedor português, conhecido como Cartola (João Martins) pretende ser chamado, a partir daquele momento, de Casaca, traje que usava junto da cartola.
Em outra reportagem Cartola ou Casaca explica mais alguns detalhes das mudanças que ocorriam na torcida vascaína, destacando um personagem pouco conhecido e que era o responsável pela bateria da torcida: “Agora estamos com um grande plano de unificar a Torcida. A da parte Social vai acabar, fazendo a fusão com a da arquibancada. Estamos pensando até numa Sede. A Sede do torcedor Vascaíno. Álvaro Ramos, nosso patrono, os dirigentes da Diretoria atual e da passada prestigiam a iniciativa e temos certeza que conseguiremos apresentar novidades. Agora quando ele chegar ao Maracanã o Eli, Chefe do batuque, vai comandar os casacas para o Casaca”[3].
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.



[1] SUPERCAMPEONATO 20.12.1958 Vasco 2 x 0 Flamengo  - 03.01.1959 Vasco 0 x 1 Botafogo  SUPER-SUPERCAMPEONATO 10.01.1959 Vasco 2 x 1 Botafogo - 17.01.1959 Vasco 1 x 1 Flamengo. Fonte: Site oficial do Vasco
[2] Fonte: Jornal Diário da Noite 24 de Julho de 1958.
[3] Fonte: Jornal Diário da Noite 19 de Setembro de 1958. Ely é descrito por Casaca como “ um criolo alto e forte que comanda o samba. Há oito anos acompanha a Torcida do Vasco e é um dos administradores.”

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1957 O Vascaíno Pelé

              “o intocável Real vencedor de todas as constelações

                                                              europeias estava aprendendo a jogar futebol" 
                                                                           Jacques Ferran no jornal l'Equipe:

1957                          O Vascaíno Pelé

Dedicando tempo integral ao clube, Dulce vai construindo sua imagem de torcedora dedicada e capaz de todo o sacrifício par exaltar sua agremiação. Passa a liderar as caravanas pela cidade do Rio de Janeiro e fora também. Sua primeira caravana no comando da TOV foi para Juiz de Fora, em Minas Gerais. Em seguida ela promove uma aproximação com o principal chefe de torcida do Botafogo, Tarzan, fazendo uma homenagem ao alvinegro. No mesmo ano sua figura vai angariando cada vez mais admiradores pela imprensa por sua luta ao romper as barreiras machistas do futebol: “DULCE ÚNICA MULHER A DIRIGIR UMA TORCIDA ORGANIZADA: Atualmente, é a única mulher que comanda uma Torcida de futebol. E o coração feminino torna-se desmedidamente grande na devoção. Oferece muito e, não raro, em troca de nada. Dulce Rosalina confirma essa verdade. Sua paixão pelo Vasco da Gama encerra algo de belo, idolátrico, imorredouro. Vê-la nos instantes de arrebatamento esportivo ou quando vibra de emoção ao referir-se ao Clube predileto é passar a crer na virtude de certos seres. Bendigamos-lhe o sentimento, a intensa e admirável veneração ao grêmio a que de todo se entregou”.
Dulce e os torcedores vascaínos não poderiam imaginar que eles seriam testemunhas oculares de algo que muito orgulhará o clube nos próximos anos, ao acompanhar o desabrochar de um jovem que vestia a camisa do nosso clube na disputa de um torneio internacional em junho de 1957. O jovem jogador do Santos vestiu a camisa vascaína no Maracanã pelo combinado Vasco-Santos. Suas atuações chamaram atenção do técnico da seleção brasileira da época, Silvio Pirilo, que o convocou para amistosos da seleção e o garoto nao decepcionou. Marcou um gol contra a Argentina na sua estreia pela seleção em 1957.
            As boas atuações de Pelé despertaram o interesse do Vasco que fez uma proposta de contratação do jogador do santos no final de agosto. No entanto, o clube paulista recusou a oferta do presidente vascaíno, Arthur Pires. Muitas foram as versões sobre este contato de Pelé com o Vasco. Algumas dizem que o Vasco recusou o jogador. Mas uma coisa ninguém discute. O clube do coração de infância do “Rei do Futebol” é o Vasco, conforme declarou o atleta em inúmeras entrevistas.
            Em junho de 1957 o Vasco partia para uma longa excursão internacional que culminaria na disputa do Torneio de Paris com as melhores equipes do mundo, incluindo o poderoso Real Madrid, considerado à época como um time imbatível. E foi justamente contra o time espanhol que o Almirante enfrentou na final do torneio no dia 14 de junho. Para surpresa da imprensa européia o Vasco vence o real Madrid por 4 a 3 e conquista o título. Na volta ao Brasil, um mês depois (a excursão continuou passando até pela URSS) os jogadores foram recebidos com grande festa pelos torcedores no aeroporto.
            No campeonato carioca de 1957, Vasco e Flamengo, os maiores vencedores na década de 1950 ficaram para trás e a disputa final ficou entre Fluminense e Botafogo. Na famosa final em que o Botafogo goleou o rival por 6 a 2, a torcida alvinegra contou com o apoio das torcidas organizadas de Vasco e Flamengo. De acordo com o depoimento do jornalista Roberto Porto, um dirigente provocou os torcedores dos três times dizendo que o Fluminense já era o campeão: “ele provocou a torcida do Flamengo e do Vasco dizendo que deveria ser distribuído geladeira, radio, televisão, que eles não tinha mais nada a fazer no campeonato e que o Fluminense só ia cumprir o seu dever com o seu quadro social... rapaz, no domingo estava lá o Jayme de Carvalho e o Ramalho na torcida do Botafogo. Atrás do gol, onde ficava a torcida do Botafogo. Hoje, isso é inimaginável, eles estavam lá. Eu me lembro de vê-los. O Ramalho com o talo de mamona tocava sempre que o Botafogo atacava...”[1].
 Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.


[1] Depoimento concedido a mim em janeiro de 2008.

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1956 Rainhas do Rádio e da Arquibancada

       “por amor ao clube, fazemos qualquer sacrifício”.

                                                            Frase de Dulce Rosalina


1956               Rainhas do Rádio e da Arquibancada


Em meados dos anos 1950 começava a reinar nos estádios Dulce Rosalina. Primeira e única torcida organizada do Vasco até o início dos anos 1970, a Torcida Organizada do Vasco (TOV) teve como grande líder e presidente desde a sua fundação em 1943, João de Luca, que ficou na direção da mesma até 1956, quando se afastou por motivo de saúde.  A partir deste ano uma jovem passou a comandar a torcida com o mesmo talento e disposição: a carioca Dulce Rosalina Ponce de Leon, se tornou a maior representante da torcida cruzmaltina nos próximos 30 anos, conduzindo sua torcida em todos os estádios do Rio de Janeiro e por outros estados, especialmente São Paulo, nas partidas do Vasco no torneio Rio-São Paulo e depois pelo campeonato brasileiro.
            Única mulher ocupando um lugar de destaque entre os torcedores nos anos 1950, Dulce acompanhava  as atividades do clube desde muito cedo influenciada por seu pai, um português que se tornou vascaíno em virtude da história do clube de combate ao preconceito racial.
            Dulce passou a integrar esporadicamente a TOV junto de outros jovens ainda nos anos 1940, lá fazia amizade com jogadores, dirigentes e associados do clube. Desse contato cotidiano com a vida de sua agremiação surgiram suas principais amizades e contatos. Foi a através do futebol que Dulce conheceu o jogador Ponce de Leon, que atuou no próprio Vasco e no São Paulo, casando com o atleta em 1949 e vivendo junto com ele até 1965, quando ficou viúva.
            Mesmo casada Dulce era uma referência na torcida do Vasco em função de sua afeição ao clube da qual devotava um amor sem igual, fazendo-o uma extensão de sua família, acompanhando aos jogos e todos os dias no clube conversando com os atletas e ouvindo os dirigentes.
Dulce representou por anos o ideal do torcedor-simbolo de um clube, sendo por isto elogiada e exaltada pela imprensa que fez de suas atitudes um exemplo a ser seguido por outros torcedores. A torcedora nunca era apresentada como fanática que perde a razão para acompanhar o seu time do coração, nem de forma caricata do torcedor alienado. Sempre foi exaltada a figura de uma pessoa que renuncia de outros caminhos da vida para incentivar o seu clube. Sua liderança a fez respeitada em todo o Brasil e querida em todos os lugares que passou. Uma liderança nos dias atuais que não trabalhasse para acompanhar o clube, seria, no mínimo, acusada de se beneficiar do clube de alguma maneira. No entanto, a imagem de Dulce construída nos anos 1950 e 1960 foi de exemplo de torcedora fiel: “pensei em trabalhar, desempenhar atividade no comercio ou na industria, todavia, concluí que seria desperdiçar energia. Poderia ficar impossibilitada, por exemplo, de participar intensamente da vida do meu Vasco, como vinha fazendo, e não sei se suportaria privar-me da maior alegria de minha vida, que é estar sempre a sua disposição”(CARVALHO, 1968, p.227).
Os chefes de torcidas e/ou torcedores-símbolos não surgiram com os grandes estádios, antes, já era possível identificá-los acompanhando os jogos de seus clubes, religiosamente, mesmo nos mais acanhados estádios. Fontainha, no América, Chico Guanabara, no Fluminense, Perneta no São Cristóvão, Polar no Vasco, eram algumas, dentre as várias figuras humanas, que se destacavam no meio de inúmeros assistentes. Entretanto, com a projeção do futebol como espetáculo de multidões e a transformação da imprensa esportiva em grandes empresas de comunicação, proporcionou o status destes torcedores em grandes símbolos de suas respectivas torcidas. Cada um do seu jeito, com suas idiossincrasias, se “afastando” da massa “anônima” que inundavam as praças esportivas, mas ao mesmo tempo expressando as atitudes típicas daquilo que se caracterizaria como o comportamento do torcedor de futebol.
            Apaixonado pelo clube, incentivador permanente de seu time, amigo dos jogadores e companheiro fiel dos outros torcedores em todos os estádios da cidade.  Acompanhando o dia-a-dia do clube e do time, capaz de todo sacrifício e dedicação em prol do sucesso de sua agremiação. Este foi o perfil, o “tipo-ideal”, apresentado pela ótica da imprensa esportiva para estes personagens, que suplantavam, em importância, as torcidas organizadas (uniformizadas) que representavam.
            Dulce assume o comando da torcida em um momento delicado pois o maior rival ganhava o tricampeonato no começo de 1956 e a TOV passava por uma crise interna em função do afastamento progressivo de seu maior líder, João de Lucca, e o surgimento de um novo grupo que “assumia” a torcida. Como Dulce ganhou a confiança dos dois grupos e conseguir unir a torcida é algo que não se tem registro nas fontes consultadas. A história oficial parte de apoio do novo técnico do Vasco em meados de 1956, Martim Francisco, que pede a Dulce para comandar a torcida e a promessa do treinador dar o título carioca de volta aos vascaínos em 1956. E foi o que aconteceu.
            Em campo o time do Vasco entusiasmava seus torcedores e a cada dia Dulce ganhava mais destaque na imprensa com depoimentos e entrevistas com uma jovem liderança. Dulce tinha apenas 22 anos quando ficou à frente do grupo e demonstrava maturidade no contato com os jornalistas procurando amenizar problemas que surgiam nas arquibancadas contra os rivais. O melhor exemplo surge após o jogo entre Vasco e Botafogo que termina com uma vitória dos vascaínos mas que provocou muitas brigas em campo, entre os dirigentes como rompimento de relações do Botafogo e, finalmente, nas arquibancadas. Dulce explica como foi a briga: “Domingo passado, por exemplo, cheguei ao Maracanã 15 para uma hora. No setor que nos era destinado, encontrei uma bandeira do Botafogo, tendo eu perguntado quem era o responsável por ela. Como ninguém disse nada, enrolei a bandeira alvinegra, cuidadosamente, para entregar ao seu dono quando apareceram dois torcedores e que tentaram me agredir, tendo sido salva pela atitude de um torcedor do Benfica, dos muitos que militam em nossas fileiras, que recebeu o soco que me era destinado. Ainda assim, fiquei ligeiramente ferida no braço. Mas, não tem importância, porque tudo é em favor do Vasco, que considero como filho. Meu filho mais velho, pois tenho dois filhinhos. E, se Deus quiser, haveremos de passar este ano um Natal mais feliz, com o Vasco Campeão. E de acordo com uma promessa do Presidente Arthur Pires, o Estádio de São Januário se iluminará todo, para receber a Torcida Uniformizada, na noite da comemoração pela conquista do Campeonato de 1956” [1].
            O Vasco conquista o título carioca por antecipação vencendo o Bangu, no Maracanã, na penúltima rodada. O músico Aldir Blanc, com apenas 10 anos, lembra desse dia na arquibancada, ao lado de seu pai, após o gol de Vavá: “foi um delírio (...) voltemos ao sábado memorável. Depois daquela tarde nunca mais consegui entrar no Maracanã sem a reverência de quem comparece a um santuário” (2009, p.228).
             A conquista do título une torcedores e dirigentes que fazem uma grande festa no centro da cidade perto de uma rua tradicional dos comerciantes protugueses, com direito a bateria de escola de samba numa festa que faz da mistura social a caracteristica principal de nossa torcida: “com as cabrochas da Escola de Samba do Salgueiro, chopp e tremoço, e milhares de Casacas, pronunciados a todo momento com entusiasmo, os comerciantes de secos e molhados da Rua do Acre, festejaram a vitória do Vasco no campeonato de 1956. E 100 mil cruzeiros (arrecadados antecipadamente), foram consumidos em chopp e empadinhas pelas pessoas (vascaínas ou não) que estiveram na festa da Rua do Acre. Compareceram os cartolas, Ciro Aranha, Diogo Rangel, José do Amaral Osório e o grande animador da festa João de Lucca. Especialmente convidado, o embaixador Negrão de Lima compareceu, apesar de ser flamengo. De 13 as 18 horas durou a comemoração, que terminou com aspecto de carnaval”[2].
            O presidente do clube, Ciro Aranha. o mesmo da época do “Expresso da Vitória” nos anos 1940, revive em 1956 o clima dos melhores anos do clube e acompanha os festejos junto aos torcedores. A propria imprensa que passou a exaltar o rival nos anos anteriores reconhece o valor da galera cruzmaltina: “A Torcida Organizada do Vasco foi o seu jogador número 12. Em todas as ocasiões deste certame, quer na vitória, quer na derrota, não faltou nunca com o incentivo a sua equipe. Ontem até o presidente do Vasco Ciro Aranha dela fez parte”[3].
            Enquanto Dulce se consagrava nas arquibancadas, uma outra torcedora vascaína começava a brilhar. A cantora Dóris Monteiro era eleita Rainha do Radio em 1956. Um título que ostentaria em 1957 e 1958. Desbancando a cantora e torcedora do Flamengo, Angela Maria, eleita rainha do Radio nos anos anteriores.
Nas crônicas de Mario Filho reunidas no livro O Sapo de Arubinha (1994), uma delas foi escrita em agosto de 1956, intitulada a " Grandeza do Vasco". O escritor faz uma homenagem ao clube que completa 58 anos naquela semana e procura dar uma explicação para o crescimento da agremiação e da formação de sua identidade. Vamos resumir em três frases lançando luz sobre as diretrizes que orientavam o seu pensamento: "o que marcou o Vasco foi o futebol e não o remo", "pode-se começar a contar a grandeza do Vasco do dia em que ele perdeu para o Flamengo" e "como seria o Vasco se não tivessem mexido com o português". A primeira frase peca por caracterizar a grandeza do Vasco pelo futebol como se isso não tivesse acontecido com outros clubes e tira o peso do remo para o grêmio, pois este era o maior vencedor nos anos 1910 e 1920. Quando o Vasco estreou na primeira divisão a sua grandeza já provinha de uma herança do remo, não podendo separar um esporte do outro na trajetória do Vasco que assumia uma aspiração diferenciada no cenário da época.. A segunda é um falso elogio pois narra a história do clube a partir de um jogo que foi mais importante para o adversário. O que marcou a história do clube em 1923 foi a conquista do título e não a perda da invencibilidade. A torcida do Vasco continuou comparecendo em massa em 1924 e não enfrentava os "grandes". A última frase se contadiz ao longo do próprio texto quando ele afirma de forma ambígua a brasilidade da instituição: "o Vasco era tão brasileiro como o mais brasileiro dos clubes" e "não foi só o português que meteu a mão no bolso. O brasileiro também". Nessas duas frases fica claro que o Vasco desde o começo foi mais que "um clube de imigrantes", ao contrário de outras associações esportivas que procuraram criar barreiras para os brasileiros.
Mario Filho e muitos outros narradores da História do Futebol Carioca procuraram enfatizar apenas um lado do Vasco, dando ao Flamengo uma identidade mais popular e nacional. O historiador Bernardo Hollanda (2004, p.201) refuta este modelo de interpretação do clube que tem sua história baseada em inúmeros outros eventos marcantes: “o esquema de classificação do jornalista Mario Filho fixava-se apenas na fundação do clube e não contemplava esta série de fatos capitais na sua trajetória”.
A escritora Rachel de Queiroz também rebate a tese do clube de imigrantes e prefere enfatizar a maior característica da agremiação que foi o caráter miscigenado com a preocupação de integrar pessoas de diferentes origens: “pois tudo isso somos nós brasileiros, e nessa mistura temos uma imagem viva do Vasco, que é por sua vez uma imagem viva do Brasil”[4]. Ou seja, compreende o clube pela relação que ele estabelece com a sociedade e acompanha a formação do sentimento coletivo de sua torcida com os anseios de integração da população brasileira em uma nação de todos.
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.


[1] Fonte: Jornal Diário da Noite 19 de Novembro de 1956.
[2] Fonte: Revista da Semana 1956.
[3] Fonte: Jornal A Noite 24 de Dezembro de 1956
[4]  Fonte: Jornal dos Sports, 31 agosto de 1968.

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1955 Adeus Ademir

      “No tempo em que Pelé era o Ademir”

                                                                                Nelson Rodrigues

1955                           Adeus Ademir

            Em meados da década de 1950 era possível observar algumas mudanças sutis no futebol brasileiro provocado por vários fatores. A primeira alteração foi o crescimento da TV como meio de comunicação nesta década e o início da transmissões esportivas ao vivo. Outra variação foi a perda da importância das disputas entre paulistas e cariocas, principalmente entre os selecionados. Esta era a competição que mais envolvia torcida nos anos 1940.
            A entrada da TV no futebol, não substituiu a força do rádio nos anos 1950 nem tirou o público dos estádios. No entanto, o crescimento da TV era inegável. Basta considerarmos a evolução da TV no Brasil: em 1956, havia 70.000 aparelhos. Este número multiplicou em 1960, saltando para 1.200.000, sendo que no Rio de Janeiro havia 230.000 aparelhos. Apesar desse crescimento, prevalecia a necessidade de assistir a TV na casa de um vizinho mais abastado.
            O alcance do rádio carioca em todo o Brasil fazia dos clubes da cidade verdadeiros times nacionais. O poeta Ferreira Gullar lembra que em sua infância mesmo não sendo um torcedor fanático tinha entre suas predileções a adesão ao clube da capital: “não sou torcedor apaixonado. Sou Vasco desde os doze anos, quando pus o nome de Vasco em meu time de botão. Isso em São Luís do Maranhão; portanto, nunca tinha visto o Vasco jogar, mas sabia de cor a escalação do time”.
            Outro meio de comunicação bastante popular nos anos 1950 era o cinema, mas poucos filmes tinham o futebol como seu tema principal. Em 1955, o cineasta Nelson Pereira dos Santos realiza Rio, 40 graus, filme que faz um panorama da sociedade carioca e que, entre os seus personagens principais, estão os torcedores. No filme o futebol desencadeia paixão e sentimentos controversos. Em algumas cenas filmadas no Maracanã, é possível entender o que o futebol representava na época para os cariocas. As diversas imagens encenadas nas arquibancadas, cadeiras e gerais mostram a torcida em vários ângulos, desde os mais abertos até os mais fechados com as expressões faciais demonstrando as  alegrias e os sofrimentos. Pode-se notar que os torcedores estão trajando roupas mais simples e não usam o terno e a gravata (vestimentas comuns até os anos 1940), os únicos que usam estas roupas são os dirigentes que se localizam nas cadeiras especiais. Em todo o jogo é profunda a interação da torcida com o desenrolar da partida, há xingamentos ao juiz, discussões, vaias, briga na geral, aplausos, bandeiras, fogos e a presença do rádio de pilha acompanhando os torcedores nos estádios (uma novidade para a época e marca registrada nos anos seguintes).
Na competição do torneio Rio-São Paulo, a hegemonia dos paulistas foi total nesta época. Só perdendo dois campeonatos (Fluminense em 1957 e Vasco em 1958). O mesmo acontecia com a seleção paulista[1] que venceria a carioca em muitas oportunidades. A verdade é que a disputa entre paulistas e cariocas foi deixada de lado pelos cariocas, enquanto os paulistas faziam questão de continuar medindo forças contra os cariocas.
E foi assistindo o brilhante atacante paulista jogando, Valter Marciano, que o Vasco resolveu contratá-lo do Santos neste ano. O jogador vai ser o grande destaque no título carioca de 1956 e o maior nome do jogo com o Real Madrid em 1957. Suas grandes atuações na Europa acabaram despertando o interesse do Valência da Espanha que o contrata no mesmo ano.
Esta década consagrou o futebol brasileiro como artigo de exportação. Nunca os jogadores e os times nacionais jogaram tanto pelo mundo afora. O lugar mais visitado era a América do Sul. Antes dos anos 1950 o Vasco só havia feito duas excursões para a Europa. Neste decênio foram várias vezes. Nesse ano de 1955 o clube ficou mais de dois meses fora do Brasil. No ano seguinte foram quase quatro meses viajando para vários países. A experiência internacional deu aos jogadores maior possibilidade de conhecer os adversários europeus, porém as condições de trabalho dos atletas (com jogos seguidos), eram desrespeitadas.
            Duas figuras centrais do Expresso da Vitória nos anos 1940 começavam a se despedir do clube. O técnico Flavio Costa que voltara a São Januário em 1953, perdia novamente o campeonato carioca de 1955 para o Flamengo, embora o Almirante tenha sido o clube com maior número de pontos em todos os três turnos do campeonato. Ao final da competição em 1956 Flávio era demitido e Martin Francisco assumiria o seu lugar.
            Enquanto isso, o atacante Ademir Meneses fazia seu último campeonato carioca pelo Vasco se tornando definitivamente um dos maiores ídolos dos cruzmaltinos de todos os tempos. Por outro lado, um outro jogador de estilo e posição bem diferente ia se firmando como ídolo no clube. O zagueiro Bellini, com sua raça e desprendimento conquista a cada ano o coração do torcedor. O jornalista Nelson Rodrigues resume a importância do defensor para o clube: “não se pode imaginar um jogador que dedique mais a um jogo, que lute e se mate tanto. E eu creio que um Vasco sem Bellini já seria menos Vasco”.
Além do futebol, outros esportes faziam sucesso entre os torcedores. O tradicional remo e o atletismo deram muitos motivos de celebrações de vitórias. Em Vidas Vascaínas (2003, p.357) o ex-remador Mario Lamosa relembra a importância deste esporte e a paixão que ele despertava: “Na época, na década de 1950, o remo era o segundo esporte do Brasil. Quando fizeram aquele estádio de remo na Lagoa, você tinha, no mínimo, dez mil pessoas a sua volta. Os últimos 500 metros você já escutava o grito da torcida”. Outro esporte que cresceu muito no Vasco foi o atletismo, principalmente depois da chegada de Adhemar Ferreira da Silva, em 1955. O atleta que foi medalha de ouro no salto triplo em Helsinque (1952), venceria novamente, já como atleta do Vasco, nas Olimpíadas no ano seguinte (Melbourne).
 Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.


[1] O campeonato de seleções entrava em seu declínio, pelo menos para os cariocas. Em vários anos, por falta de calendário, a competição não foi disputada. Entre 1951 e 1959, os paulistas venceram todas: 52, 54, 56 e 59. Já no torneio Rio-São Paulo, o Corinthians venceu em 53 e 54, o Santos em 59, o Palmeiras em 51 e a Portuguesa em 52 e 55.

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1954 Almirante domina o Remo

                                                                                     “urubu, urubu, urubu”

                                                                           o rival ganha um apelido  

1954                   Almirante domina o Remo

O ano começa com uma extensa viagem do Vasco por vários países da América (México, Costa Rica, Peru e Guatemala), depois do time perder o campeonato carioca de 1953, em janeiro. O clube ficou dois meses jogando no exterior. Na volta ao Brasil, no início de abril, a torcida fez uma recepção calorosa no aeroporto para comemorar com os atletas os resultados expressivos: em 16 jogos, 11 vitórias e apenas 1 derrota. “Torcedores do Vasco invadiram o Galeão para receber os jogadores, lá fora a Torcida gritava erguendo bandeiras. Os jogadores foram descendo, lá fora a Torcida se mostrava impaciente para ver os cracks. Além de torcedores anônimos, dirigentes, ex-dirigentes. Em frente ao portão de saída torcedores estiraram uma enorme faixa que tinham estes dizeres: ”Felicidade seu nome é Vasco”. E a medida que os jogadores se desembarcavam da Alfandega e cruzavam os portões quase os sufocavam de abraços” [1].
A alegria dos vascaínos no aeroporto só não foi maior que a de uma família de Duque de Caxias, município do Rio de Janeiro. Nascia Carlos Roberto de Oliviera. No futuro este recém-nascido daria muitas alegrias para os vascaínos. Vinte anos depois, ele seria campeão brasileiro pelo Vasco, com o nome de Roberto Dinamite. Não apenas campeão, mas artilheiro do campeonato ...
A derrota da seleção brasileira na final da Copa de 1950 para o Uruguai em pleno estádio recém-construído causou um efeito considerável: o Maracanã só seria utilizado novamente pela seleção nacional quatro anos depois. Somente em 1954, o Brasil, já com o uniforme amarelo, enfrentou o Chile, nas eliminatórias para a Copa do Mundo na Suíça. Portanto, de 16 de julho de 1950 até 14 de março de 1954, a seleção brasileira esteve ausente do Maracanã, ou melhor, não disputou uma partida sequer no próprio país, apesar da conquista do Pan-americano em 1952. Este foi, até então, o maior tempo de ausência da seleção no Rio de Janeiro desde 1917. O time nacional ficou distante dos torcedores cariocas durante praticamente todo o segundo governo Vargas (1951-1954).
A mudança na cor da camisa da seleção contou com o apoio das lideranças das torcidas cariocas em 1953: “Jaime de Carvalho (o homem da Charanga) e João de Lucca (o homem do Casaca, Casaca), que os torcedores que eles representam acreditam que uma camisa mais expressiva para o nosso selecionado simbolicamente poderia dar lhe mais vida, mais expressões, enfim incestaria no espirito de nossos jogadores a mística  de que o uniforme que ele veste, mais do que uma simples peça de vestuário , representa também um pouco de nosso Brasil...”[2].
Entre 1953 e 1956 a Torcida Organizada do Vasco foi alvo de uma disputa de dois grupos que se auto-intitulavam representantes verdadeiros do clube nos estádios. De um lado estava o líder tradicional João de Lucca, e de outro, capitaneados pelo dirigente Alvaro Ramos, um grupo começa a se organizar e divulgar por toda a imprensa sua “ideologia”, sem deixar de atacar nas entrelinhas De Lucca, visto como “chefe”, torcedor só das boas horas, com interesses etc. Destacamos alguns trechos das reportagens: “queremos esclarecer que a nossa torcida não tem chefe, mas nós constituímos uma comissão diretora, para umas determinadas providencias e decidimos que o Sr Alvaro Ramos seria o nosso patrono, como lhe prestamos pelo muito que ele tem feito” O cartola afirma outra matéria: “vi que se tratava de um movimento espontâneo e sincero, sem qualquer objetivo de agradar aos dirigentes eventuais do clube, como acontece com outros chefes de torcida”. Liderada pelos irmãos Mario Portugal e Margarida e outros como Aida de Almeida o grupo defende sua diferença: “essa torcida, que não tem o apelo oficial do Clube[3] e não se organiza somente para dar “casacas” nos dias de vitória, como acontece com determinado grupo, constitui a mais soberba demonstração de vitalidade de uma Torcida, que vibra e sofre com o seu Clube, que acompanha o team nas boas e mas horas, que enfrenta sol e chuva, encontrando na vitória a única recompensa”.
Neste período o Flamengo conquista seu tricampeonato (1953-54-55) e a rivalidade com os outros clubes cariocas aumenta. Para ofender a torcida rubro-negra as torcidas rivais criaram o urubu. Alguns torcedores do Vasco dizem que foram os primeiros a chamá-los assim, outros discordam. Um deles é o jornalista Roberto Porto que dá uma explicação para a origem do apelido pejorativo: “Otacílio Batista Nascimento, o Tarzan, ele era de Minas Gerais e veio para o Rio ..... em Belo Horizonte, ele era Atlético, que tinha muitos torcedores negros. A torcida do Cruzeiro xingava e dizia para o Atlético: “urubu, urubu”, então quando Tarzan veio para o Rio resolveu se vingar e xingar o Flamengo dessa forma, então foi o Tarzan que botou o apelido aqui no Rio ...[4]”.
Assim como o urubu incomodava os flamenguistas, o “pó-de-arroz” afetava a auto-estima dos tricolores, que revidaram inventando o “pó-de-carvão”, para os rubro-negros, com a mesma alusão em considerar a torcida do Flamengo como a torcida dos negros. Mas não pegou, como também não colou chamar os vascaínos de “pó da Pérsia”, numa referencia a um produto que matava os vermes.
            Para encerrar o ano com um título expressivo a torcida vascaína comemora a vitória no remo sobre o seu maior rival. Pela 11ª vez consecutiva os remadores cruzmaltinos conquistaram o título máximo da cidade, derrotando os seus famosos competidores do Botafogo e Flamengo. E a alegria foi maior ainda, quando o oito Vascaíno venceu o do Flamengo, que era bicampeão carioca, brasileiro e sul americano.
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.


[1] Fonte: Jornal Diário da Noite 05 de Abril de 1954.
[2] Fonte: Fonte Correio da Manhã 30 de Agosto de 1953.
[3] Em outra reportagem, contradizendo o que diziam os novos líderes uma reportagem exalta o apoio de dirigentes vascaínos Antônio Soares Calçada, José Ribeiro de Paiva, o “Almirante” , Arthur da Fonseca Soares (Cordinha), José do Amaral Osório.
[4] Depoimento de Roberto Porto concedido a mim em janeiro de 2008

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1953 Carnaval de Janeiro a Dezembro

 


                                                                     “se a canoa não virar, olê. olê , olá”
                                                                        marchinha nas arquibancadas

1953                 Carnaval de Janeiro a Dezembro

Depois de decepcionar a torcida em 1951, o Expresso da Vitória voltava a triturar os adversários e conquistava o título de 1952 no início do ano seguinte. Como era véspera de carnaval, a festa foi completa se estendendo por diversos dias com direito a folia em São Januário, criação de marchinhas e desfile carnavalesco em pleno centro da cidade. “Inteiramente iluminado, São Januário reviveu suas noites de maior esplendor. As sirenas soando, sem parar, como incessante também se fazia ouvir o estourar dos foguetes, Os casacas, então, nem é necessário falar, Casacas ao Vasco, como o foram dedicados ao Presidente Cyro Aranha, seus diretores e ao técnico Gentil Cardoso. (...) Registro-se um desfile improvisado de autênticas Escolas de Samba, com faixas trazendo inscrições alusivas ao feito cruzmaltino, recebiam saudações entusiastas do público, a sua passagem. Até parodias surgiram de imediato, como aquela da marchinha “Você pensa que cachaça é água”. Cantavam na assim:
“Você pensa que o Vasco é sopa
O Vasco não é sopa não
Sem jogar com o Olaria
O Vasco já é Campeão.”[1]

“O corso constou de cerca de mil automóveis, vários carros alegóricos e algumas Escolas de Samba, e a sua organização esteve a cargo do Chefe da Torcida Organizada do Vasco, Sr. João de Lucca”[2].
Mas a temporada vitoriosa estava só começando. Em fevereiro, jogando o Quadrangular Internacional do Rio de Janeiro (Boca Juniors, Racing, Flamengo), O Vasco conquista o campeonato ao vencer o Flamengo por 5 a 2. Uma goleada para mostrar toda a força do Expresso.
Dois meses depois o clube volta para Santiago no Chile (onde foi campeão em 1948) e conquista mais um troféu. Porém, o melhor estava a caminho com a disputa de um torneio internacional no Brasil.
No mesmo mês que o Vasco vencia mais um torneio internacional, estreava no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, A Falecida, de Nelson Rodrigues. No primeiro ato de sua peça alguns homens discutem sobre a partida do Vasco que se realizaria no domingo, no Maracanã. O futebol era a obsessão de Tuninho, um dos personagens centrais da peça. Vascaíno fervoroso e desempregado, ele seria capaz de apostar em seu time contra todo o Maracanã, se tivesse dinheiro para tal: “TUNINHO – Seja 150 ou 200 mil pessoas. Não importa. Até aí morreu o Neves. Pois eu, se tivesse o dinheiro, dinheiro meu, no bolso, eu, sozinho, apostava com 200 mil pessoas no Vasco. Havia de esfregar a gaita assim, na cara das 200 mil pessoas, desacatando: “Seus cabeças-de-bagre! Dois de vantagem e sou Vasco!” Te juro que ia fazer a minha independência, que ia lavar a égua”
O fanatismo dos torcedores e a fidelidade destes aos seus clubes pode ser medida pelo acompanhamento permanente em todos os estádios. Para a temporada na Argentina e no Chile, a torcida vascaína foi representada por um grupo de torcedores liderados pelo chefe da TOV, João de Lucca. Batizada de Embaixada Torcedora, o que não era uma novidade pois este nome que já era utilizada nos anos 1930. Mas também servia para antecipar uma possivel embaixada da torcida brasileira na Copa da Suiça em 1954. O tom da reportagem faz um exagero da figura do lider vascaíno e sua atuação teria surpreendido os argentinos. No entanto, qualquer pesquisa saberia apontar para o exagero pois as torcidas argentinas tinham um alto grau de participação. Eis a reportagem do enviado especial: “João de Lucca fez furor no Chile. Só quem esta convivendo com os componentes da brilhante embaixada que o Vasco da Gama mandou a Buenos Aires e agora a Santiago, pode testemunhar o muito de sacrifício, abnegação, compreensão e disciplina por todos empregados na defesa do desporto nacional, em sua até agora triunfal campanha.... João de Lucca é sem favor algum, uma das figuras de proa da delegação cruz maltina. Comandando os célebres Casacas em todos os cantos a que chega a imediatamente requestrado os dirigentes do Racing tentaram de todos os modos, prende-los em Buenos Aires, por um mês a fim de que ele discipline a Hinchada do tricampeão Argentino. Claro está que De Lucca não aceitou, todavia, isso serve para que se comprove o sucesso que o Chefe da Torcida Organizada no Chile e na Argentina” [3].
Enquanto a viagem da torcida vascaína para a Argentina e o Chile foi um sucesso o mesmo não aconteceu na caravana para Santos, em junho, para acompanhar o time na última partida do Torneio Rio-São Paulo, terminando com uma tragédia automobilistica no acidente em que 7 torcedores morreriam. No mesmo caminho de volta ocorre outro problema com um “violento conflito entre torcedores do Vasco e populares que se encontravam nas proximidades de um bar, onde os componentes da caravana pararam para fazer ligeiro lanche. Os torcedores do Vasco foram vaiados e os veículos apedrejados, o que deu causa ao conflito, somente dominado após a chegada de uma tropa de choque da Força Pública e viaturas da Rádio Patrulha” [4]. Para este jogo foram mobilizadas centenas de torcedores na maior caravana da torcida vascaína até então (4 ônibus, 25 caminhonetes e dezenas de automóveis). O time vinha embalado depois de vencer o Corinthians no Maracanã e assumido a liderança do campeonato. O clube paulista trouxe uma imensa legião de torcedores (5 mil pessoas), na chamada “invasão do maracanã”. Os dois clubes lideravam não somente o campeonato, como eram os líderes nas rendas, com vantagem para o clube carioca. Esta disputa acirrada explica a tensão entre as duas torcidas e a animosidade que continuaria nas semifinais do octogonal no mês seguinte.
Em junho e julho, oito clubes disputam o Torneio Octogonal Rivadavia Corrêa Meyer (Fluminense, Botafogo e Hibernian-Escócia, na chave do Vasco e na outra chave São Paulo, Corinthians, Olympia- Paraguai e Sporting). O Vasco derrotou o Corinthians nas semifinais e o São Paulo nas finais.
A partir deste campeonato a nova grande estrela da torcida vascaína era o atacante Pinga, contratado junto a Portuguesa-SP, na maior contratação do futebol brasileiro da época. O novo camisa 10 do Vasco vestia também o uniforme da seleção no Sul-Americano no Peru. Na seleção do Brasil  que disputou o Sul-Americano no Peru, em março, foram convocados do Vasco os jogadores Barbosa, Ely, Danilo, Haroldo, Ipojucan e Ademir.
A expectativa da torcida era o Expresso continuar dominando o futebol carioca. Neste ano a novidade foi a inclusão de um terceiro turno com a disputa dos seis clubes com as melhores campanhas nos dois turnos iniciais. E, assim como nos anos anteriores, o campeonato de 1953 não terminaria neste ano.
Para os vascaínos o segundo semestre seria de grandes emoções nos esportes amadores. O seu clube conseguia fazer da natação e do atletismo um motivo de orgulho. Em agosto era inaugurado o Parque Aquático, “o maior e mais moderno da cidade”. E, em outubro, os atletas vascaínos conquistavam o 2° troféu Brasil de Atletismo, em São Paulo, acompanhado da torcida organizada: “o estádio do Tietê na Ponte Grande parecia ser carioca. Ouviam-se os Casacas como se a vitória houvesse sido obtida em São Januário com algazarra e entusiasmo, e até comandados pelo João de Lucca, o Chefe da Torcida Organizada, que acompanhou em São Paulo a consagração da equipe da colina como a maior do país”[5].
Enquanto os adeptos futebol ficavam esperando os jogos finais do campeonato de 1953 a serem disputados em janeiro de 1954, os torcedores vascaínos terminavam o ano comemorando o décimo título seguido no remo. Em dezembro a torcida cruzmaltina lotou as arquibancadas do estádio da Lagoa para acompanhar o decacampeonato (um título inédito). O ano fechava com chave de ouro: Campeão de Terra e Mar (em janeiro campeonato de futebol de1952 e dezembro no remo), além dos títulos internacionais no Chile (abril) e Maracanã (junho-julho).
  Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.
[1] Fonte: Jornal O Globo 19 de Janeiro de 1953.
[2] Fonte: Jornal A Noite 26 de Janeiro de 1953.
[3] Fonte: Jornal Última Hora 06 de Abril de 1953.
[4] Fonte: Jornal O Globo 05 de Junho de 1953.
[5] Fonte: Jornal Última Hora 20 de Outubro de 1953.

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1952 Sururu na Bariri

                                                           "Eu estou com as massas, e as massas derrubam até governo".

                                                                            Gentil Cardoso – técnico campeão em 1952

1952                           Sururu na Bariri

        Em abril a seleção brasileira dava o seu primeiro passo para superar o trauma da derrota de 1950 com a conquista do Torneio Pan-Americano no Chile. Esta foi a primeira vez que o Brasil venceu uma competição internacional fora do país.
            Para comemorar a vitória do selecionado nacional. O presidente Vargas faz uma homenagem aos jogadores presenteando-lhes com uma medalha de ouro na última vez que Vargas comemora o Dia do Trabalho no estádio de São Januário. 1952 veria a ultima festa ser realizada por Vargas no estádio do Vasco da Gama, A festa ainda contou com jogos de futebol e com uma apresentação de basquete dos Harlem Globe-Trotters, seguidos de um show de musicas populares.
Em agosto começava o campeonato carioca que prometia muita disputa entre os principais candidatos ao título. Vencedor da segunda Copa Rio, o Fluminense era apontado pela imprensa como o maior obstáculo para o Vasco.
Enquanto em campo, os grandes clubes brigavam pelo título, fora das quatro linhas o desafio para os torcedores estava nos pequenos estádios de subúrbio. As grandes brigas envolvendo torcedores na década de 1950 ocorriam justamente nos pequenos estádios, em função da superlotação e da presença das torcidas rivais que se somavam aos clubes da região. Geralmente terminavam com poucos feridos e intervenção imediata da polícia que agia com extremo rigor: “confusão no estádio do São Cristóvão entre a policia e os torcedores emocionados as lamentáveis cenas de lançamentos das bombas de gás lacrimogêneo contra a multidão que pagou para assistir um espetáculo e não para ser vítima de uma Polícia Especial, que infelizmente ainda não compreendeu o papel que deve exercer, de mantenedora ordem”.[1]
            Nas lembranças de Armando Giesta, o bairrismo de clubes de subúrbio contra os clubes da Zona Sul provocava uma tensão entre os torcedores visitantes: “em Bangu o pau comia, em Bangu era uma aventura, em Madureira também era brabo. Mas não tinha briga, só na saída, tinha as provocações... Em Bangu você tem que passar aos pés das arquibancadas e eles jogavam coisas de cima. A torcida do Bangu era uma torcida doente. Os clubes pequenos tinham as suas torcidas. Principalmente Bangu e Madureira. Madureira tinha uma senhora torcida...”[2].
Em algumas ocasiões a confusão partia de lugares destinados aos sócios e dirigentes dos clubes que assistiam aos jogos lado-a-lado com os rivais. A cordialidade do anfitrião cedia espaço para a paixão desenfreada: “VIROU “ FAR-WEST” A TABA BARIRI. Há muito tempo que a Torcida não tinha o prazer. A grata satisfação de assistir o tempo fechar tão feio numa partida de futebol, mas não entre os jogadores, porém na própria assistência, e o que ainda é mais grave, entre o público das cadeiras numeradas, ou seja a elite dos pagantes”.
Foi durante um jogo do Vasco contra um clube de subúrbio que Dulce Rosalina acabou se integrando a Torcida Organizada do Vasco. Dulce foi trazida para a TOV por intermédio de Tia Aida, que nos conta como tudo aconteceu: “Estávamos em Teixeira de Castro, campo do Bonsucesso, e uma jovem sentou-se ao meu lado e vibrava muito com os gols do Vasco, foi quando eu a convidei para que fizesse parte da nossa Torcida, e de tal maneira ela se dedicou e se apaixonou que tempos depois entregamos a ela a chefia da Torcida. Ela era uma pessoa muito querida e educada, amava o Vasco acima de tudo, pelo clube ela se doou, deu a sua vida, deixou de cuidar de sua saúde, mas deixou o legado para todas as futuras gerações de vascaínos, de sua imensa paixão pelo Vasco[3].
      Em 1952 a “escrita” contra o Flamengo voltava com novas vitórias do Vasco e a conquista de mais um campeonato. O Expresso ainda se fazia respeitar. Ainda neste ano, em novembro, foram concedidos os títulos de sócio honorários do Vasco a Rachel de Queiroz e Gilberto Freyre. Os dois ilustres escritores eram do Nordeste (ela do Ceará, ele de Pernambuco), região que nos anos 1950 recebia uma forte influência das predileções esportivas em função das transmissões radiofônicas. Essa região será, nesta época, um local de forte emigração para os grandes centros do Brasil (Rio de Janeiro e São Paulo). No Rio de Janeiro, por exemplo, ao longo dos anos 1940 chegaram mais de 700 mil nordestinos numa população de 2,5 milhões.
Os dois clubes continuariam numa disputa fora de campo envolvendo a contratação do técnico Flávio Costa pelo Vasco. O boato de que dirigentes do clube de São Januário o traria de volta estimulou o então treinador do Vasco, Gentil Cardoso, dar uma volta olímpica após a conquista do título acenando com o seu boné para os torcedores e sendo aplaudido pelos mesmos. O jornalista Mario Filho (2003, p. 306) descreve o episódio: “(ele) tratou de buscar apoio dos torcedores, achando que eles lhe garantiriam a sua permanecia. Como o Vasco ia sair desta? Feito um triunfador, Gentil Cardoso entrou no vestiário do Vasco (...) A consagração da torcida subira-lhe a cabeça. A prova é que disse alto, levantando o boné inseparável amassado na mão fechada – as massas estão comigo!”. Logo em seguida acontece um bate-boca entre ele e um grande dirigente do clube. Na mesma semana o técnico estava demitido e, mesmo campeão, a torcida aceitava resignada esta decisão dos dirigentes.
Fonte: Livro “100 anos da Torcida Vascaína”, escrito pelo historiador Jorge Medeiros.

[1] Fonte: Jornal Sport Ilustrado 06 de Novembro de 1952
[2] Depoimento do torcedor concedida a Jorge Medeiros, em 2008.
[3] Depoimento de Tia Aida concedida a Jorge Medeiros, em 2008.

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